terça-feira, 20 de setembro de 2016

A demolição


Ruy Medeiros

Há alguns anos, na cidade de Camaçari, foi dada a ordem: demolir! Agentes da ordem e do dinheiro (seriam a mesma coisa) mandaram não poupar nenhuma veleidade de sonho ou resistência.
O tratorista baixou a lâmina e movimentou sua máquina. De repente olhou mais atentamente: havia pessoas e seus casebres, último reduto a que se recolheu a necessidade de abrigo. Olhou novamente. E olhou. Viu gente, angustia e necessidade.
Dentro do motorista cresceu humanidade. Ele chorou. Desceu do trator e chorou. Entre a ordem, mulheres e homens com sonho pobre de abrigar-se em quase casebres, ele abandonou a ordem, mesmo sabendo que comprometeria seu emprego-subsistência. Havia uma verdade maior a respeitar, ele o entendeu.
Hoje, vejo repetir-se a primeira parte da história de Camaçari, mas não vejo a máquina parar. Vejo ordem repugnante e demolição. Ouço mesmo a ordem. Mas percebo sobretudo sofrimento, não apenas pela perda de algo, que era abrigo relevante, uma última trincheira, mas sofrimento intenso de vítima. E decepção quanto à autoria, sua ordem e seu poder.
Aí a civilização parou. Mas o que é civilização?    

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